05/03/2012

Não desista.

Segunda-feira, 12:19, mesa de jantar.

É tudo que resta, a única superfície. Meu escritóriozinho, de estante de madeira vermelha e cristais e pedras energizantes, está coberto de plástico negro. Na parede, um buraco. Ligaram pra cá reclamando com sotaque francês dizendo que havia uma infiltração e a culpa era nossa, o apartamento de cima. Soou como xingamento. Xingaram a minha mãe. Você tá dizendo que tá vazando coisa no meu apartamento? Do meu escritório? Não tem nem água lá, nem pia, nem privada. Brigo sozinha em casa. Como podem dizer isso? Sacanas! Canalhas!
O surto foi em vão, o bombeiro constatou que sim, passa um cano maldito na parede do meu escritóriozinho. Tem que quebrar, ele disse. Não deu previsão de tempo pra curar o pinga-pinga. E como todo serviço do gênero, a todo tempo que se dá pode-se esperar o dobro.
Era pra ser 1 semana, faz um mês, e eu fui adoecendo um pouco. Sem espaço. Meditar no quarto não dá, porque é a energia de duas pessoas ali, e o momento é único, pessoal, solo. A outra escrivaninha não dá, é a mesa dele, com as coisas dele, o computador não cabe direito e eu não quero tirar nada do lugar nem influenciar o espaço. Não consigo escrever no chão, dói a coluna. Se o fizer na cozinha, não consigo parar de comer. Não vou levar o computador pra rua. A mesinha da varanda está lotada de plantas num belo arranjo que eu mesma arrumei esse fim-de-semana.
Não tenho lugar. Parece desculpa, mas não é.

Tô descobrindo que muito do que parece desculpa na verdade não é.

Ser escritor é o sinônimo leve da loucura. Em alguns momentos, me descabelo. Murakami já alertou que se você deixa qualquer pendência, não consegue se concentrar para escrever. A literatura me obrigou a refazer o encaixe das coisas, me obrigou o exercício físico e o dentista regular -- sim, de volta ao aparelho fixo, porque o silêncio me faz sentir os dentes se moverem na boca. Esse é o nível. Dá pra escutar o fio de cabelo e o pêlo da axila crescendo. A literatura é um tipo de yoga. Nós também somos monges.

É tanta coisa que a literatura obriga. Pra mim, é assim; um rearranjamento de vida. É assustador ver onde ela me levou, e tudo que tive de mudar para abrigá-la, recebê-la. Sinto aquele intenso olha do outro que não consegue lidar com a falta de objetos concretos. Os próximos dois anos da minha vida serão de puro açoite. Busco a reza alheia pra me consolar, e encontrei uma frase de Andre Dubus que vou colar na parede do meu escritóriozinho, assim que houver novamente uma parede:


"Não desista. É muito fácil desistir nos primeiros dez anos. Ninguém liga se você está escrevendo ou não, e é muito difícil escrever quando ninguém liga para uma situação ou a outra. Você não será demitido se não escrever, e na maior parte do tempo não será recompensado se o fizer.
Mas não desista."

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