20/01/2012

Minha Bahia de todos os santos




Tô na Bahia.
Tenho cara de baiana? ôxi. Será que alguém em pleno 2012 ainda acredita em cara?
"Fulano tem cara de".
Nossa cara já se misturou há muito tempo! Esses dois ólhinhos (da música dos Novos Baianos, com aquele sótáque de Baby) vêem uma menina branca, mas essa menina é branca falsa.
Ah, se tudo fosse cara. Mas como não é...

Minha amada Salvador...
O que acontece comigo nessa terra, sei dizer não.

Abri a Folha de São Paulo e, no verso do caderno de cultura, uma crônica da Fernanda Torres chamada "Homus Bahianus". Achei o título genial, porque só quem convive com o homus bahianus sabe o que é. Não tem povo igual ao baiano -- e todo o meu vômito de repugnância aos que usam o termo "baiano" pra falar de uma coisa ruim. Coisa de gente que nunca foi pra Bahia. Meus pêsames.

A crônica diz, "É mesmo impossível negar a fé na Bahia", e nunca ninguém disse tão bem o que eu sentia.
O primeiro eureka da minha relação com a Bahia veio numa entrevista do Pierre Verger. Ele explicava porque escolheu o estado brasileiro pra morar, e aí eu comecei a entender, com letras e verbos, todo o meu amor. Verger nasceu em 1902, na cidade luz Paris. Como fotógrafo jornalístico, rodou o mundo inteiro, e parou em Salvador (lá pelos anos 50). Justificando a mudança definitiva pra cá, Verger disse que não há nenhum lugar no mundo como a Bahia. Aqui o negro vive como é, sem a opressão e o preconceito. Aqui o negro é tal qual o é na África -- está em casa, inteiro. Só na Bahia se vê isso. Quando li, arrepiei inteira. Pela primeira vez na vida, entendi que a paz que sinto aqui em muito se dá pelas cordas frouxas dessa não tensão racial, que está tão impregnada nas ruas da minha cidade. Isso já muda tudo, e é apenas uma parte.
Junto com a questão levantada por Verger, vem a frase de Fernanda Torres. Quem vem pra cá é pra dar de cara com a sua fé. Foi aqui que descobri a minha, foi aqui que tudo começou pra mim. Muito antes d'eu saber de fato, e antes d'eu assumir, já fui chamada, na xinxa mesmo. "E aí, qual vai ser", me encaram as mangueiras. Aqui adotei um boxer e o vi morrer abruptamente com pouca idade, provei a comida que mais amo no mundo, descobri que minha cor é vermelha e que não adianta fugir do oculto. Aqui descobri a música, o alimento da alma e da barriga. Tudo aqui.

Essa terra é abençoada, e com toda a verdade do mundo se chama Bahia de todos os santos.

Talvez eu passe aqui uma longa temporada, se houver possibilidade, e se os deuses e santos permitirem... Porque aqui tudo é assim. Se você deseja e merece, a manga cai no teu pé. E você agradece pro céu.

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