16/01/2012

Homens & Elefantes

Alguns escritores causaram verdadeiros alvoroços na minha vida: Anais Nin, Kerouac, Kundera, Herman Melville -- por aí vai. Mas o grande tsunami continua se chamando José Saramago.
Se alguém dissesse que minha krakatoa engolidora seria um português comunista e ateu, eu rolaria os olhos pra cima com arrogância. Me sinto como a garota que se apaixona pela besta-fera e diz que simplesmente aconteceu. Eu li e simplesmente aconteceu, e paixão de leitor não se mete a colher nem se busca compreensão.

Eu AMO José Saramago. Estivemos juntos apenas uma vez, mas foi suficiente. Só li um livro, e o tsunami veio tão forte que ainda não tive coragem de ler outro. Mas talvez a coragem tenha batido; ontem reuni ousadia suficiente para assistir "José y Pilar", outra situação da qual fugia. Acreditei que meu pobre coração não agüentaria vê-lo no leito de morte, despedindo-se da vida e do grande amor de sua vida. Enquanto datilografava um conto (até o momento batizado de Formigas Azuis), abri uma budweiser geladíssima (meu novo amor em forma de cerveja), e como uma ordem silenciosa, dei play no filme.
Não achei legendas e meu espanhol é fraco, de modo que só pude me aliar ao português de Portugal. Usei bastante da licença poética de babel pra compreender tudo, mas acho que rolou. Tirando o fato de que chorei aquele choro que enruga a cara -- privilégio de estar totalmente sozinha em casa -- o filme está acima de atribuições positivas e negativas. Não amei, tampouco odiei; não achei maravilhoso ou genial, nem o oposto disso. Saramago me provoca uma anestesia rápida, como xilocaína, obriga o silêncio. Difícil ler alguma coisa dele e sair tagarelando ou rindo. Foi como quando terminei "Ensaio Sobre a Cegueira". Não consegui me comunicar logo após fechar o livro. Sabia que as frases eram, de fato, lindas, mas a história me embrulhou de tal forma que não era possível verbalizar as palavras "bom" ou "ruim", ou até mesmo "gostei". Foi um soco tão poderoso que afrouxou os parafusos do que havia de mais bem guardado em mim. Custou um ano pra ler o livro inteiro, pelo caminho encontrei vários desistentes. Finalizei-o na Bahia, dentro do quarto, chorando rios e rios. Foi a primeira vez que chorei lendo um livro -- ou que me permiti chorar. A verdade é que depois de "Ensaio...", me permiti muitas coisas.

Entrei em depressão logo depois, tinha uns 19 anos.

Minha mãe me acompanhou nas visitas a diferentes psiquiatras, e na sua ingenuidade de mãe, dizia "ela ficou assim depois que leu aquele livro". Isso não é totalmente mentira. "Ensaio Sobre A Cegueira" foi o marco de uma fase muito difícil e importante -- seu papel foi permitir o deságue.
Essa é a importância de um livro na vida de alguém. Não há nada mais libertador do que um livro.


Daqui a dois dias, embarco pra Bahia novamente... onde tudo começou há vários anos atrás.
Não estou de férias, pelo contrário: não tenho mais férias. Todo dia é dia de trabalho. Meu ritmo é lento pro que amo fazer, descobri recentemente. Mas me apoiei no Saramago, que escrevia apenas duas páginas por dia. E do Leonard Cohen, que demorava um ano pra fazer uma música. Meus sábios senhorezinhos, ídolos, que me acompanham na jornada.
Em Salvador, vou me conectar com a parte Africana de mim, que é bem espaçosa apesar da brancura. Lá sempre escrevo em dobro, o que é maravilhoso. Me sinto em casa -- uma casa fora da gente que a gente busca, um pedaço do mundo que está contido na nossa alma.
Na bagagem,  "A Viagem Do Elefante", de José Saramago. O livro que ele escrevia enquanto voltou a vida, por pouco tempo mas a tempo de finalizá-lo.

Todo mundo tem um animal de poder. Pra descobrir, deve-se bater o tambor.
O meu acredito que seja um elefante. E como o elefante, resisto ao caminho duro e lento servindo de sombra aos que necessitam. 

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