21/08/2012

A incidência dos pendurados

Jogar tarot é uma verdadeira loucura. Tanto que esse blog ganhará um apêndice, todo dedicado as cartas. Elas estão comunicativas demais para ficarem dentro da minha salinha, divididas entre duas pessoas. Devem ser lidas em voz alta, pois sua lição é para todos.


O Enforcado, ou Pendurado como prefiro falar
Tarot de Marseille, reeditado por Jodorowsky e Camoin -- meu tarot de atendimento

O que me impressiona nos atendimentos é o número de pendurados. O Pendurado - XII. A décima segunda carta, entre A Força e O Arcano Sem Nome, popularmente chamado de Morte, o esqueleto numa jangada.
Desfila por mim uma série de pendurados -- impotentes, pessoas amarradas a suas próprias criações negativas e vícios no modo de ação. Pendurados que protelam, protelam, protelam e esticam o máximo que podem o giro da roda. Ouso dizer que essa é uma tônica da nossa atual condição humana, mas é preciso coragem. Rezo toda vez que encontro um Pendurado pelo meu caminho -- porque também tem essa; os Pendurados nos ancoram, amarram pedras a nossos pés sem percebermos, e de repente estamos há tempo demais na mesma paisagem, enquanto o céu azul distrai. Muito cuidado com os Pendurados.

Acrobacia que reproduz a posição da lâmina, vista de costas. 
O Pendurado está exatamente assim, com as mãos livres, 
porém atrás do corpo, revelando a falta de iniciativa 
de livrar o próprio nó.

Os Pendurados não são necessariamente pessoas, embora esses sentimentos-âncora se reflitam nos indivíduos. O Pendurado é o terror do enfrentamento, que se converte em indolência e preguiça, e causa grande melancolia e vitimização. O Pendurado esquece que pendurou a si próprio e bota a culpa nos outros, embora lá no fundo suspeite. Mas ele acredita. O Pendurado se recosta e espera que alguém o tire daquele lugar, pois ele aparentemente está preso, não tem para onde ir, e oh como a vida é difícil para ele.

Você tem algo para resolver, mas não depende apenas de si próprio. Você precisa falar com aquela pessoa que te enrola, e te estica, e te amassa, e te pede 1, 2, 3, 4 dias. Está ocupada, muito ocupada. É uma pendurada. Não tem tempo. Nunca.

Mas a lição do Pendurado é que apenas os que estão em fuga é que não podem parar para beber água durante a viagem.

Bruno Dewaele reproduzindo a lâmina

E você mesmo, que corre. Corre deitado, mas corre, foge. Não quer de jeito nenhum, não quer fazer. Não se sente capaz. Empurra, estica. Se dá um, dois, três prazos. E acha que algo vai cair do céu, e as vezes até cai; Aquilo que tinha de fazer alguém acabou fazendo, ou desmarcando, ou correndo também. Sinto, mas tu é um Pendurado. O que passou foram os teus cavalos, que escolheram o destino da tua carroça por você. A diferença é que o Pendurado não tem cavalos; estes já fugiram. Tampouco carroça, que a terra já comeu. As moedas caíram dos bolsos, a mulher casou com outro, a casa foi invadida, a plantação apodreceu. E ele vendo tudo, de cabeça pra baixo.

A escultura cômica de David Cerny, que representa o bom rei Wenceslas 
num cavalo morto e pendurado em Praga. Uma outra forma interessante 
do Pendurado, pois este é a representação do Imperador-IV do tarot 
de cabeça para baixo. Apoiar-se num animal morto é pendurar-se; 
depositar num ser externo o rumo do próprio caminho é pendurar-se.

De cabeça pra baixo, todos somos iguais. Impotentes. Pendurados.

Mas só se pendura com permissão. É preciso mais do que estar com o pé dentro da corda. O Pendurado nos lembra que todos nós temos esse potencial. Todos somos passíveis de ser pendurados. Todos trazemos a corda enforcando o tornozelo, ondulando no chão da nossa jornada como uma cobra de boca aberta, pronta pro bote. 
Mas permitir-se ficar de cabeça pra baixo, ah. Para isto é preciso indolência.

E há um espaço especial para os indolentes no Inferno de Dante.

Um comentário:

Karla Koerich disse...

e quem comentou deslogada fui eu!