05/02/2012

Moral da história

Trabalhar com a escrita aflorou muito meu lado social. Presto um tipo de atenção diferente, totalmente contemplativa e sem julgamento. Observo as ações como uma médica de autópsia, separo os tecidos, gosto de imaginar o que está embaixo de cada coisa, as razões, as deficiências, as qualidades... Infelizmente, isso ainda não me fez mais tolerante a situações de caráter duvidoso ou arrogância. Ainda não tenho muita capacidade emocional para tratar com frieza quando alguém me deseja mal. Sempre me pergunto se a pessoa percebe que está desejando o mal ou é inconsciente. Não faço idéia, mas pra tentar me acalmar e sentir menos mal nesse tipo de situação, relembro a história que uma amiga me contou num carnaval de anos atrás, numa cidadezinha de Minas Gerais, onde eu estava com os sentimentos fodidos e confusos. O deslocamento valeu a pena, entre outras coisas, por essa história contada no quarto abafado que a gente dividia. É sobre a Marquesa de Araxá, a famosa Dona Beija, que virou até uma novela da Globo com a Maitê Proença.

A Marquesa de Araxá tem uma história triste. Sempre foi uma mulher muito bonita, talvez pelo cabelo claro e olhos mais claros ainda que não eram comuns em sua época. Ainda menina, foi levada por um homem rico e importante da corte e mantida em cárcere como sua amante. Quando conseguiu fugir, retornou a cidade de Araxá, mas foi marginalizada pela sociedade. Já causava inveja nas mulheres por sua beleza, que viram o seqüestro de maneira inversa, como se fosse ela a culpada de seduzir um homem mais velho e viver com ele de forma profana. A Marquesa rebelou-se e fez a escolha de vida de não se envolver institucionalmente com homem algum, pelo contrário; seria uma amante livre -- dizem as más línguas que tornou-se de fato prostituta, profissão que a fez enriquecer.
Um dia, deu em sua casa uma grande festa, e convidou todos os habitantes de Araxá. Os homens da cidade compareceram, mas a grande maioria das mulheres não. No meio da festa, um lacaio trouxe uma caixa, um presente, enviado pelas mulheres ausentes. A Marquesa abriu o presente, em meio aos muitos convidados, e o choque foi geral: a caixa estava cheia de bosta de cavalo, uma atitude pensada para denegri-la e feri-la em sua própria casa.
No dia seguinte, a Marquesa mandou entregar também uma caixa à casa da mulher que havia enviado o lacaio. Dizem inclusive que as mulheres da cidade estavam ali reunidas para rir do escândalo que haviam feito. Quando o mesmo lacaio entrou no salão carregando a caixa e a entregou a patroa, esta abriu. Era um maravilhoso buquê de flores, colhidas especialmente. Junto, um bilhete, de punho da própria Marquesa, que dizia: "A gente dá o que tem".

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