16/08/2012

THE BLASFÊMEAS -- Pussy Riot, Pussy Putin

Rótulos vêm tarde -- se você tiver sorte.
Somos uma coisa a vida inteira até a hora que existe uma palavra pra isso, que não necessariamente se integra com o que você sente, dentro. Fui uma criança quieta, uma adolescente quieta, uma adulta quieta. Uma criança bélica, uma adolescente bélica, uma adulta bélica. Não gostava muito de me comunicar com pessoas que não iam entender, e não queria me fazer entendida por todos. Os outros que se fodam, era o que eu pensava, pensei, penso. Não preciso de pessoas, nem da autoridade de pessoas. Não quero parecer bem aos olhos dos outros; quero parecer algo totalmente diferente deles e só isso. Então fiz 14, tive coragem de assumir o universo punk hardcore que já fazia parte dos meus discos e atividades, descobri um monte de bandas com garotas de voz fina berrando e mudei todas as alcunhas virtuais para riot grrrrrl e variações. Ás vezes era grrl, num dia calmo, ou grrrrl num dia muito agitado, ou ainda GRRRL! quando o sangue esquentava. O que importa é que me vocalizar fêmea era sempre um rosnado, um grunhido, uma imposição. Sou mulher, mesmo que as roupas sejam masculinas, sou mulher e quero usar preto, sou mulher e não quero fofocar a vida dos outros nem ficar pensando em meninos e homens. Quero tocar bateria, ler JD Salinger e viajar. Era tudo que eu queria aos 14 anos -- e uma boa razão pra brigar com o mundo, o que nunca foi difícil de encontrar.

A nostalgia riot retorna a mim, com rótulo e tudo, através da prisão do Pussy Riot, coletivo russo de mulheres. Os rosnados continuaram aqui dentro, sem dúvida. Energia disforme pré-título, nasceu comigo, since 1988. Essa jamais irá embora, jamais me abandonará. Era, fui e sou. Santíssima trindade. Fugir dela é ser como um macaco em roupas de bebê.
Para entender o Pussy Riot, é preciso ir um pouco mais além. É preciso saber sobre a Rússia, sobre Putin, sobre a questão religiosa. Fácil, só dar um google. O Pussy Riot fez um protesto contra Putin, três de suas integrantes foram presas e correm o risco de ficar 7 anos em regime fechado por blasfêmia.
Quando se mora no Brasil, é louco pensar nisso. Protesto político aliado a condição sexual. Aqui a revolução não é nem silenciosa.

Eu vivo no Rio de Janeiro.

O Rio é uma cidade sem política e uma cidade de macho. Uma cidade onde ser mulher implica biotipo e livre direito de admoestação masculina -- é o que eles pensam. Ser mulher no Rio é viver sob a pressão do corpo. É ouvir frases indesejáveis de homens indesejáveis na rua, ser incomodada por carros em movimento que impedem a sua passagem para falar idiotices. Ser mulher no Rio de Janeiro é ser desrespeitada todos os dias. Mesmo caminhando para a globalização da cidade, recebendo estrangeiros que buscam aqui lar e trabalho, a Europa quebrada e Estados Unidos idem. E dentro dessa configuração, a mulher continua a ser tratada dessa forma no convívio básico. Inaceitável. Mas eles não farão nada por nós. Cabe a nós, fêmeas, que façam.

Quando um homem de uniforme diz obscenidades pra você na rua, ele não só está desrespeitando você como o próprio trabalho. Cuspa de volta.
Quando um senhor de idade diz obscenidades pra você na rua, ele não só está desrespeitando você como a própria condição e aceitação da idade madura, da idade sábia, que é tão desvalorizada nessas terras. Cuspa de volta.
Quando um homem qualquer sente-se no direito de abordar uma mulher da forma que lhe aprouver, rosne como um cachorro, como um gato, como um tigre, como uma leoa.

Não se engane, AINDA SOMOS O RETRATO DO SUBDESENVOLVIMENTO.
Não se iluda pela cortina de ópio dos números crescentes da nossa economia. NÃO HÁ DIVISÃO JUSTA.
Tudo que podemos exigir é respeito. Respeito enquanto nação, e enquanto mulheres.

CUSPA DE VOLTA.


Pussy Riot protest (Russia)

Um comentário:

Ivi Derzi disse...

Ser mulher no Rio de Janeiro é realmente opressivo, chega um ponto que nem cuspimos mais, só rosnamos no cantinho da boca. Cuspir é necessário!